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sábado, 19 de março de 2011

A Estrada ambienta cenário desértico






No filme, um faroeste sobre a família, ambientado num mundo desértico sem Deus, onde oásis bem cultivados são quase alucinações, tomam-se decisões morais, literalmente, no calor da situação. A sinopse de A Propostaserviria bem para descrever também A Estrada - afinal, foi o seu filme de 2005 que gabaritou o diretor australianoJohn Hillcoat a assumir a versão ao cinema do romance de Cormac McCarthy, como o próprio escritor reconhece em entrevista.Na verdade, há uma diferença: ao contrário do inclemente sol australiano de A Proposta, em A Estrada só existe o frio. O livro vencedor do Pulitzer, adaptado fielmente pelo roteirista Joe Penhall, se ambienta numa opaca realidade pós-apocalíptica, quando um pai (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee) caminham com mantimentos e um revólver por paisagens cinzas na direção do litoral.



Não espere uma história típica de ficção científica, com artefatos secretos e antigos que podem salvar a humanidade. O que dá o tom em A Estrada é justamente o contrário - a desesperança já levou a vida da esposa e mãe (Charlize Theron) e agora pai e filho lutam pra sobreviver mais por uma questão de teimosia do que de fé. É um cenário de western por excelência: enquanto atravessa o caos, o herói carrega noções de civilização nas costas, esperando encontrar no litoral alguma recompensa. Em seus textos, McCarthy valoriza bastante as descrições. Se em Meridiano de Sangue ele encontra dezenas de analogias para ilustrar a geografia da fronteira dos EUA com o México, em A Estrada os adjetivos se limitam a uma meia-dúzia: tudo é cinza e frio e escuro, porque, afinal, o horizonte nunca muda. A direção de fotografia do bascoJavier Aguirresarobe dá conta dessa ambientação, e mudanças radicais de luz e matiz (que Hillcoat usou bem em A Proposta) nas cenas coloridas de flashback resumem bem essa deprimente questão: por que insistir em viver se os dias só servem pra desbotar as lembranças boas?



As locações em Pittsburgh, a escalação de Mortensen, a trilha de Nick Cave, o entendimento pleno do texto de McCarthy... Tudo no filme faz justiça ao livro, mas, como em qualquer tradução, algo se perde. Hillcoat elege poucas e boas imagens para servir de alicerce do drama - o revólver sempre presente na cintura, a almofada ou o cobertor destoando no cenário cinza - mas o andamento paciente do livro, que transmite bem a teimosia do protagonista, é impossível manter num longa de duas horas. O que gera a impressão de que o filme não se aprofunda. No romance, pai e filho passam dias com seu carrinho de supermercado fuçando compulsivamente por comida e abrigo, antes de deparar com um acontecimento-chave (o encontro com os canibais, com o velho, com o ladrão). No filme, a necessidade de tempos fortes é maior, e os intervalos entre esses eventos diminuem. Como cada um desses encontros guarda uma lição de moral (McCarthy está sempre desafiando o seu último homem civilizado), nas telas A Estrada fica parecendo mais um teste de caráter do que uma jornada de sobrevivência.



Decupagem econômica e precisa, mais cortes secos para marcar saltos no tempo, são meio uma especialidade de John Hillcoat. Em A Proposta, elipses arrojadas reforçavam a ideia de que tudo num ambiente de faroeste é tênue, imediato, impulsivo. Se o compasso de Hillcoat vacila em A Estrada, talvez seja porque o valor do herói de Viggo Mortensen, no fundo, não se mede no calor do momento, mas no acumulado. Cada uma das suas ações está condicionada àquela memória de Charlize Theron dourada deitada na grama verde. O tempo em A Estrada é fundamental, porque trata-se de um raro "faroeste", entre aspas, onde o futuro depende não só do presente mas também do passado.

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