Alguns anos antes de Jason cortar cabeças de adolescentes ou de Freddy Krueger assassinar criancinhas, o terror no cinema era construído muito mais com um crescente e incômodo clima de angústia e tensão do que com sustos gratuitos. Acontece que o gênero seguiu uma tendência natural, uma vez que o público passou a venerar os chamados splater dos anos 80, e após uma década inteira de filmes com uma fórmula idêntica e sem muita criatividade, além das incansáveis continuações, as sessões malditas de cinema deram um tempo.Ironicamente, foi Wes Craven - o homem que teve participação essencial ao redefinir o conceito de filmes de terror nos anos 80 com a série A Hora do Pesadelo - o mesmo responsável pela aproximação da geração 90 com o gênero por meio da trilogia Pânico. Aproveitador ou não, o fato é que Craven é um especialista no assunto e conhece os meandros para fazer o terror funcionar de acordo com cada momento. Talvez seja por essa razão, no embalo das centenas de refilmagens lançadas recentemente, que ele mesmo tenha considerado a possibilidade de produzir Viagem Maldita (The hills have eyes, 2006), remake do clássico Quadrilha de Sádicos, dirigido e escrito por ele em 1977. Porém, não é sempre que a faca está afiada.Dirigido pelo francês e estreante no cinema americano Alexandre Aja, Viagem Maldita tem um problema de identidade mal-resolvida. Ao misturar a atmosfera carregada de suspense dos anos 70 com a exploração do choque visual explícito dos 80s, o ponto de equilíbrio se desfaz, e essa nova abordagem acaba parecendo absolutamente descartável.No filme original, o ambiente vazio e inóspito do deserto do Oeste americano, por si só, já oferecia uma certa dose de perturbação. A representação do medo não estava nos efeitos sonoros ou tampouco na caracterização visual do grupo de canibais que se escondia nas colinas, mas sim no aspecto de realidade com que Craven conseguia se aproximar naquela época. Infelizmente, nos dias atuais, a sugestão dá lugar ao explícito e, por esse motivo (além do orçamento maior), Aja preferiu atrair pela aparência chocante, realizando um filme mais sangrento.A atualização da refilmagem em comparação ao original é bastante evidente. A principal está no surgimento do grupo de maníacos que se esconde nas colinas. Em Viagem Maldita, o governo norte-americano é o verdadeiro culpado. Afinal de contas, foi graças aos testes nucleares realizados naquela região durante a década de 50 que surgiu o bando de homens, mulheres e até crianças mutantes, filhos de vítimas dos efeitos da radiação, e por isso, exclusos, revoltados, insanos e de hábitos canibalescos.
Na espreita, o grupo de dementes planeja armadilhas para realizar ataques cruéis aos desavisados que cruzam a estrada. Azar dos sete integrantes da família Carter, que estão em férias e decidem chegar a Los Angeles atravessando o deserto do Novo México em uma caminhonete e um trailer. O caminho, que já parece longo, se tornará ainda pior. Um "acidente" com os pneus faz com que sejam obrigados a parar. Sem sinal de celular ou rádio, o pai da família, Big Bob Carter (Ted Levine) - simpatizante do conceito radical republicano - convence o pacífico genro Doug Bukowski (Aaron Stanford) a pegar uma arma e caminhar em uma direção oposta à sua para buscar ajuda no meio do nada. Quanto às particularidades em relação ao filme original, essa crítica aberta a alguns pontos de vista da sociedade dos Estados Unidos talvez seja uma das questões mais interessantes do novo filme.De resto, com exceção de algumas cenas de ação, o cenário de uma cidadezinha construída para testes nucleares e a inserção de novos personagens mutantes (servindo apenas como meras figuras decorativas para os admiradores de maquiagens impressionantes), a história transcorre exatamente como no original. O que inclui, principalmente, o drama que Doug viverá envolvendo sua filha pequena e todas as mortes. Exatamente por isso, o filme não é uma decepção. O "novato" Aja, mesmo tendo reinventado e até justificado o surgimento do clã de assassinos, não desconstruiu a tensão do filme original, que envolve a luta pela sobrevivência da família Carter ao enfrentar inimigos desconhecidos e que matam friamente sem aviso ou explicação.Fica um destaque também para a apresentação dos créditos inicias do longa. Apesar de bem parecida com a abertura de Madrugada dos Mortos, a idéia de mesclar uma trilha sonora tranqüila ao tom grosseiro das imagens de anomalias humanas, incomoda e, de certa maneira, já é um cartão de visitas interessante.No final das contas, Viagem Maldita é a refilmagem de um clássico dos anos 70 que dá a impressão ter sido recriado somente para satisfazer o gosto por efeitos nauseantes da geração atual. Prova que não só a criatividade se esvai, mas também há cada vez mais dificuldades em representar o medo. A explicação provavelmente está na recente exposição ilimitada de fatos trágicos nos noticiários, fazendo com que quase nada mais consiga chocar como antigamente no âmbito da ficção cinematográfica.
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